O uso de mochilas

O uso de mochilas - Dr. Sílvio Carlos Ferreira

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            Os pesquisadores afirmam que cerca de 85 % das pessoas apresentam pelo menos um episódio de dor nas costas durante a vida e para piorar, cerca de 90% das pessoas reincidem, isto é, quem teve um episódio de dor nas costas possui 90% de chance de ter novamente. Entre tantos fatores que podem contribuir para a produção dessas dores, o uso inadequado de mochilas em determinada época da vida pode levar crianças e adultos a terem maior frequência de dor nas costas.
          Alguns autores já identificaram uma relação positiva entre aumento do peso da mochila e alterações na marcha e piora de desvios posturais da coluna vertebral, como escoliose, cifose e lordose.                    
           Um estudo recente na Finlândia com 1000 crianças, demonstrou que 1% das crianças têm dor aos 7 anos, subindo para 6% aos 10 anos. Porém, as mochilas fazem parte da história da humanidade, pois desde a Era do Cobre o homem já utilizava bolsas rudimentares nas costas, mantendo as mãos livres, para escalar as montanhas íngremes e geladas da Europa. As legiões romanas já usavam mochilas desde antes de Cristo e até hoje os exércitos as usam como equipamentos táticos. Desde a década de 60 do século passado as mochilas contam com tecidos modernos, leves e mais resistentes e com um colorido todo vibrante. A mochila virou item de moda para os jovens, podendo carregá-la de modo despojado e bacana e ainda decorada com figuras dos personagens favoritos. Para as crianças, os benefícios são os múltiplos compartimentos que ajudam os pequeninos a serem organizados e são melhores que bolsas ou sacolas laterais quando se pensa em ergonomia.

            A solução para o problema do peso das mochilas deve ser por ações integradas entre pais, alunos e a escola. Os pais devem exercer uma ação fiscalizadora, controlando o que se leva para a escola. Frequentemente, as crianças querem levar novidades e brinquedos para a escola, sem necessidade, aumentando o peso e volume da mochila.  Já alimentos e lancheiras devem ser levados a parte e não dentro da mochila. Os alunos devem manter-se atentos às matérias do dia, pois é comum levarem muito material para a escola por não consultarem a grade de horário ou mesmo por preguiça de arrumar o material necessário para cada dia. Já as escolas podem ajudar adaptando as aulas, concentrando o maior número de aulas de mesma matéria no mesmo dia, diminuindo a diversidade de material necessário. Com os professores mudando de sala de aula ao invés dos alunos evita-se o uso intenso das mochilas. Ainda outra opção é o modelo norte-americano com o uso de armários individuais na escola ou o uso de fichários de folhas soltas, ao invés de cadernos, carregando apenas as folhas necessárias. A escolha por cadernos sem capa dura, de papel mais leve, fichários e, mais modernamente, CD ROMS é muito útil. Algumas ações governamentais já foram tomadas no sentido de limitar o peso das mochilas dos escolares. Em São Paulo, a então prefeita Martha Suplicy em 2000 regulamentou uma lei onde limita o peso das mochilas em 10% do peso corporal. Sua publicação ocorreu em 15 de julho de 2003, no Diário Oficial do Município, tendo caráter educativo.
            Tipos de mochilas:
            Com rodas: devem ter alça com comprimento adequado para que a criança ande sem fazer torção ou inclinação do tronco, pois isto pode provocar problemas até piores que as mochilas nas costas. Para crianças menores, as rodinhas devem ser o maior possível, podendo transpor obstáculos sem muita força e facilitando subir escadas. A criança deve estar reta com esta mochila. Infelizmente, as crianças um pouco maiores acham que usar mochila de rodinhas é "pagar mico".
            Quando usadas nas costas, como comprimento ideal a parte superior não deve ultrapassar a altura dos ombros e a parte inferior chegar no máximo a 8 cm acima da cintura e não ultrapassar a largura do tronco. Não devem ter muitos compartimentos externos acessórios, pois isso aumenta a quantidade de material carregado e consequentemente o peso. Devem possuir duas alças superiores para distribuir melhor o peso.  As alças devem ser largas, duplas e acolchoadas, daquele tipo anti-choque siliconadas, tendo uma cinta abdominal para manter o peso mais próximo do corpo e impedir oscilações. O peso da mochila vazia não deve ultrapassar um quilograma.  O material deve ser disposto nesta mochila sempre preso e os mais pesados no fundo e mais próximos ao corpo. O material solto na mochila provoca aumento do esforço e sobrecarga nas costas. As alças devem estar ajustadas e firmes, pois alças alongadas e frouxas provocam deslocamento do pescoço para frente, facilitando ocorrência de dor.
                                                   
            A mochila da esquerda tem o tamanho ideal, já a da direita está ultrapassando a linha da cintura.





FORMATO IDEAL DAS ALÇAS.


            O peso máximo varia conforme os pesquisadores entre 7% e 20% do peso corporal, havendo um consenso maior para peso inferior a 10%. A Organização Mundial da Saúde sugere o máximo de 7% do peso da criança. Apesar disso, os trabalhos ainda são insuficientes e com amostras pequenas para estipularem os índices mais seguros.
            Na verdade, existem muitas variáveis interpostas para se determinar o peso máximo, como distância percorrida, desenho da mochila, condicionamento físico da criança e sua maturidade esquelética. Um trabalho desenvolvido nos EUA, chamado Plano de Seleção Preventiva, usa a escala de dor de Borg da seguinte maneira: as crianças são submetidas a mochilas pré-pesadas a partir de 1 quilograma, aumentado-se de meio em meio quilograma. A primeira mochila que machucar, será a referência de peso da mochila ideal pra aquela criança. Retira-se então meio quilograma desta mochila referência encontrando-se o peso mais adequado.
            As mochilas de alça única estão contraindicadas, apesar de manterem o peso junto ao corpo e poder trocar o lado para aliviar o desconforto.            Trabalhos científicos identificaram que um dos fatores que mais contribuem na produção de dor está no ato de colocar e retirar ou suspender a mochila. É preciso treinar uma técnica correta para estas manobras. Para suspender a mochila do chão, devem-se usar os dois braços e flexionar os joelhos, evitando inclinar o tronco, exatamente como se faz para elevar qualquer objeto pesado. Agora apóia-se a mochila em um dos quadris, deve-se então vestir primeiro uma alça até o ombro e a seguir passar o outro braço pela outra alça.
            Outra observação importante é que as dores nas costas podem ser produzidas não só por mochilas muito pesadas, mas também por aquelas mal feitas, mal arrumadas ou mal transportadas. Um estudo tipo "back care" feito em Portugal em 2001, mostrou que 80% das crianças carregam peso demasiado ou mal distribuído. Outro dado importante é que 40% dos jovens entre 10 e 18 anos já sofreram de dor nas costas nos últimos seis meses.
             Alguns trabalhos já foram realizados:
            Universidade da Califórnia (J. Pediatric Orthopedics, march/april, 2004; vol 24: pp 211-271) : A análise de 3500 crianças demonstrou que:
  • 69% tiveram dor nas costas relacionas com a mochila
  • 2 em cada 5 crianças tinham dor ao carregarem mochila
  • O sexo feminino foi mais acometido e perderam mais dias de aula. 17% recorreram ao médico.
            O Cincinnati Children̕ s Hospital atendeu 247 crianças que se machucaram, sendo 23% por carregar, erguer ou retirar mochilas. Concluíram que o melhor tratamento é educar as crianças para o uso correto e não apenas mudar as mochilas.
             Pascoe et al: mochilas de duas alças produzem menos alterações de marcha que as de uma alça.
             Gimmen et al:  a melhor posição do peso é a nível da terceira vértebra lombar para a crianças, enquanto nos adultos é mais alta.
            Frank et al: posicionamentos distais da mochila produzem diminuição da força sobre os ombros e coluna, porém geram significantes alterações na flexão do pescoço, afetando a postura.
            Consequências de mau uso de mochilas:
             Alterações cardiorrespiratórias como aumento do consumo de oxigênio, ventilação e frequência cardíaca. Frequentemente são mínimas e teoricamente não aumentam a taxa de fadiga. Ainda existem muitas controvérsias entre o peso ideal e as consequências do uso inadequado de mochilas.
            Horg et al demonstraram que 20 minutos carregando 20% do peso corporal provoca aumento significativo da pressão arterial sistólica e diastólica, sendo a recuperação mais rápida naqueles com menor carga (entre 0 e 10% do peso corporal) do que aqueles que carregaram maior carga (entre 15 e 20% do peso corporal).
               O grupo italiano de estudos sobre mochilas (Italian backpack study) avaliou 237 crianças maiores de 6 anos e concluíram que que as dores nas costas estavam relacionadas ao peso e número de dias que as crianças carregam as mochilas. Estes estudantes carregavam mochilas com peso entre 22% e 34% do seu próprio peso (Ângela Santos: Postura Corporal: um guia para todos. Editora Summus, 2005).
            Lai e Jones: assumir a postura cifótica ou carregar mais de 20% do peso em mochilas diminui significativamente a capacidade vital pulmonar.
            O aumento do peso produz modificação na postura para manter o equilíbrio, alterando a marcha.  Apesar da resposta não ser necessariamente linear e proporcional ao aumento do peso e da inconsistência dos trabalhos, pode-se concluir que a alteração de postura é mais importante que as da marcha, para crianças normais.
            Supõe-se que a fadiga muscular seja o maior contribuinte para a dor, apesar de não existirem ainda pesquisas com eletromiografia, onde se poderia quantificar o grau de comprometimento muscular.
                        
            Alguns centros de pesquisa trabalham no sentido de classificar esse tipo de dor como lesão por "overuse", isto é, uso excessivo do aparelho muscular e ligamentar, pois a criança que ainda tem muita cartilagem no esqueleto é mais suscetível à lesão. As crianças já possuem um encurtamento fisiológico, pois os músculos não conseguem acompanhar a velocidade de crescimento dos ossos, podendo isso piorar e produzir deformidades compressivas. Já se catalogou aumento de tensão, cefaléia, contraturas, dormências e ruck sack palsy (paralisia do mochileiro), que é uma paralisia dos músculos inervados pelo nervo supraescapular e axilar com parestesias no território das raízes cervicais de número 5 e 6.
            Finalmente, para resumir, é importante considerar na prevenção de dores por uso de mochilas não apenas o seu peso, mas inúmeros outros fatores como: o condicionamento físico da criança, tempo e forma de uso da mochila, tipo da mochila, taxa de crescimento e maturidade esquelética da criança, velocidade de deslocamento com a mochila e fatores individuais ou genéticos da criança.
            Como a maioria das mochilas não segue qualquer critério ergonômico, apenas servindo-se de aspectos puramente estéticos, é importante que quem vá usar a mochila esteja presente no ato da sua compra para experimentá-la e verificar se sua adaptação ao corpo é a ideal. É comum, por exemplo, observar mochilas com uma inserção conjunta das alças na parte superior, como um Y e este detalhe impede que se posicione a mochila adequadamente, que sempre ficará abaixo da posição ideal.
             Vamos identificar alguns erros comuns no tamanho, tipo e transporte da mochila:

Tamanho inadequado.


Alça única e tamanho inadequado.


Alça única.

 
Três mochilas ao mesmo tempo.

            
Mochilas de duas alças devem ser usadas nos dois ombros.

                                      
Devido ao acessório superior da mochila, não é possível colocá-la na posição ideal, provocando desvio postural.

                  
Transporte e tamanho inadequados.
   
Não respeitou o limite superior da linha dos ombros.
                                              
O Tamanho da alça da mochila de rodas deve ser tal que permita transportá-la sem rotação do tronco.
                                                                         
Ozzy Osbourne e Slash, reconhecidos artistas do mundo musical lançaram uma grife de mochilas e a preocupação não pareceu ser ergonômica.

                  
                                                        A imagem fala por si.
            Este artigo não visa esgotar o assunto, mas servir como fonte de consulta e discussão sobre um tema tão pouco difundido. Espero que nossos filhos tenham menos dor nas costas.
                                 Silvio Carlos Ferreira  maio/2011
Artigo retirado do siteInstituto São Gabriel 
Recomendo o site para leitura e informações de vários artigos importantes para saúde.

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